Antifachadas
par user3124533 surname3124533 @permalink3124533
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Antifachada
Este ensaio trata do tempo presente, do aqui e agora, para conciliar as referências do passado e do presente, embaralhando-as num jogo de identidade e relação. O conjunto imagético mostra o complexo e dinâmico espaço da metrópole contemporânea. Apesar dos planos gerais e amplos, BW exige uma concentração intensificada, já que são os detalhes selecionados pelo espectador que trarão a satisfação visual e individual. Como se fosse possível fazer a invocação de uma gestalt longínqua de um complexo explosivo, de estranhas significações.
Às vezes, numa primeira impressão, as fotografias parecem um bloco monolítico, sem diferenças. Mas um olhar mais aprofundado vai nos mostrar que esse efeito aparente de um padrão é fascinante, pois evidencia o caos e as diferenças formais entre os edifícios. Caos e padrão relacionam-se dialeticamente para provocar um poderoso efeito visual quando estamos imersos na imagem, tentando ver com clareza um horizonte poético trágico na sua inutilidade.
A ideia de fotografar a cidade estava germinando há muito tempo. Mas foi preciso um longo almoço no Bar do Léo, e depois um passeio no centro velho, como um flâneur baudelairiano, numa tarde que irradiava uma luz especial, para BW perceber a beleza numa cidade que todos parecem achar feia. Uma beleza interessante, nova, capaz de detonar um processo criativo e aflorar uma ideia que já estava pulsando, mas que explodiu num instante de aguçada percepção.
A São Paulo de BW não tem horizonte, não tem céu, não tem chão. A lente comprime os planos, o recorte ressalta a superfície irregular da trama visualizada, e a imagem nutre-se da total ausência da perspectiva fotográfica. A miséria e a grandeza; a possibilidade e a impossibilidade; a grandiloquência e a atomicidade; o público e o íntimo. Tudo isso é percebido através das centenas de janelas presentes nas fotografias, nos transformando, no ápice da “janela indiscreta”, em voyeurs maravilhados neste vasto território de inequívoca abstração visual. Ao mesmo tempo, exibe-se a desumanidade de viver dessa maneira: amontoados uns sobre os outros, sem estabelecer elos nem articulações, permanecendo isolados.
BW radicalizou a possibilidade ficcional e transformou a cidade com uma luz intencionalmente opressiva, sufocante. A cidade parece explodir nesse espaço claustrofóbico. Também o tom das imagens foi selecionado após várias tentativas de alterar a cor da imagem no computador. A ideia inicial era mostrar a cidade como se o ar estivesse rarefeito, que desse a sensação de opressão. Uma imagem que fosse inóspita o suficiente para iconizar a crítica situação de viver em São Paulo.
Outra decisão importante para o desenvolvimento do trabalho foi a escolha do grande formato para as ampliações fotográficas, que tentam romper nossa relação com a fotografia, por meio das surpresas visualizadas nos detalhes que instigam nossa sensibilidade. Ao mesmo tempo que provocam o espanto, as fotografias têm uma escala que invade nossa consciência e trazem uma experiência que não nos permite criar um sentimento de comunhão nem de solidariedade. Esse estranhamento inicial altera por completo nossa percepção do espaço, deixando-nos atônitos quando tentamos aceitar nossa limitação perceptiva para compreensão da complexidade da forma urbana contemporânea.
Outro diferencial no trabalho de BW é que somos conduzidos a lugares inacessíveis, graças a sua ousadia de buscar ver a cidade por meio dos pontos inexplorados, de difícil acesso. Daí o impacto visual resultante dessa estratégia, que pressupõe que a tessitura do espaço urbano pode ser rompida pela escala cada vez mais surpreendente da cidade e pela constante abstração da compreensão dos processos urbanos e das relações sociais.
Ao observar atentamente essas fotografias, podemos verificar o quanto a cidade, construída aleatoriamente, pode nos surpreender. Nas inúmeras janelas dos edifícios, é possível verificar como os moradores se arranjam para resolver seus problemas domésticos. O varal de roupas, a bicicleta, as antenas parabólicas, os “puxadinhos”, o espaço verde, os espaços publicitários, os diferentes estilos, todos convivem livres do estigma de uma identidade, numa harmonia dissonante tipicamente paulistana.
Não existe um consenso unânime do que significa viver em São Paulo. Paradoxalmente, na cidade de BW não vemos os engarrafamentos infernais, não percebemos os seus diferentes cheiros, nem ouvimos seus ruídos proliferados no espaço. Somente um silêncio devastador na imagem da cidade cosmopolita. Apesar da visão crítica, as fotografias apontam para o princípio da racionalidade arquitetônica em permanente conflito com a irracionalidade da construção do espaço urbano. São Paulo parece transformar-se num espaço da alienação e da solidão claustrofóbica.
Fotografando a cidade desse ponto de vista, BW provoca-nos um êxtase ilimitado ao exibir sua percepção do desenho nascido dessa lógica perversa. Nosso corpo, quando vagueia pela imagem da cidade, não está mais envolvido pelas ruas e referências que o fazem circular e reconhecer o espaço. Os limites são impostos não só pela assustadora escala construtiva, mas também por meio de uma técnica precisa. BW cria um impecável ensaio, realista-minimalista, da metrópole contemporânea nos seus 450 anos. Nessa declaração apaixonada por São Paulo, ele comprova não só o poder da imagem, mas faz emergir uma estranha sensação de deslocamento que nos permite reencontrar a beleza desta cidade, que se esconde nos interstícios de uma trama paradoxalmente funcional. Nada é explícito, pois, em contraste com essa aridez quase sórdida, BW deixa aflorar a sutileza de seu olhar, que vê a cidade com uma atmosfera singular, de inacabamento, em permanente mutação.
Antifachada é um ensaio rompante que homenageia a cidade de São Paulo e, ao mesmo tempo, reconstrói a vontade de rever certas imagens que habitavam o imaginário do menino BW, que, no início dos anos 1960, no Bom Retiro, percebia a cidade como um amontoado de objetos estranhos: fios, transformadores, postes, edifícios altos vistos de baixo para cima, janelas ordenadas numa repetição sem fim. Ele acredita que sua percepção de São Paulo como uma cidade opressiva, dominadora e, ao mesmo tempo, linda e sedutora nasceu naquele momento, em que registrava tudo na imaginação sem limites. Antifachada é um trabalho profundamente pessoal, de uma aguçada percepção que capta a vida num fluxo diferenciado. Transformado agora nesse ensaio expressivo, instigante, não tem a pretensão de esquadrinhar a cidade do ponto de vista descritivo, muito menos ideologizar a cidade, mas exaltá-la em sua plenitude: plural e espetacularizada na fotografia.
1 commentaire
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They look like large mosaics, but they are the homes of many people, which causes a certain amount of vertigo.
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